Supremo derruba exigência do diploma para jornalistas
Olha, desde que eu passei a entender um pouco de como funciona, questiono algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas essa foi de lascar!
*"Não se pode fechar os olhos para o fato de que jornalismo é uma atividade multidisciplinar e que muitas notícias e artigos são prejudicados porque são produzidos apenas por um jornalista especialista em ser jornalista, sendo que em muitos casos essa informação poderia ter sido produzida por um jornalista com outras formações, com formação específica em medicina, em botânica, com grande formação acadêmica, mas que não pode exercer o jornalismo porque não tem diploma. Não se pode desprezar esse contexto", disse o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza.
E mais:
*"A profissão não depende de um conhecimento técnico específico. A profissão de jornalista é desprovida de técnicas. É uma profissão intelectual ligada ao ramo do conhecimento humano, ligado ao domínio da linguagem, procedimentos vastos do campo do conhecimento humano, como o compromisso com a informação, a curiosidade. A obtenção dessas medidas não ocorre nos bancos de uma faculdade de jornalismo." A advogada do Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo afirmou que em outros países, como Estados Unidos, França Itália e Alemanha, não há a exigência do diploma. "Nos EUA, a maioria esmagadora dos jornalistas é formada em escola, mas nem por isso se obriga a exigência de diploma", afirmou.
E nos votos:
"Quando uma notícia não é verídica ela não será evitada pela exigência de que os jornalistas frequentem um curso de formação. É diferente de um motorista que coloca em risco a coletividade. A profissão de jornalista não oferece perigo de dano à coletividade tais como medicina, engenharia, advocacia nesse sentido por não implicar tais riscos não poderia exigir um diploma para exercer a profissão. Não há razão para se acreditar que a exigência do diploma seja a forma mais adequada para evitar o exercício abusivo da profissão" - Gilmar Mendes
"Esse decreto é mais um entulho do autoritarismo da ditadura militar que pretendia controlar as informações e afastar da redação dos veículos os intelectuais e pensadores que trabalhavam de forma isenta" - Ricardo Lewandowski
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Conheço diversas pessoas que pensam como esses. Ok, somos livres para pensarmos o que quisermos. Mas não é difícil perceber que a graduação em Jornalismo surgiu de uma necessidade. E não priva qualquer liberdade de expressão, sobretudo numa época em que qualquer pessoa pode fazer o que faço exatamente agora: escrever qualquer abobrinha e publicar para quem quiser.
Aperfeiçoamento, comprometimento com a informação, técnicas... Sim, há pessoas que nasceram para isso e sequer precisariam de um diploma. Foi assim durante muito tempo. Porém, acredito que há muito mais a se questionar. E sequer concordo com a ideia de que Jornalismo não coloca nada em risco. O que são, então, as decisões políticas tomadas pela pressão da imprensa e pela opinião pública escandalizada? Meu caro Gilmar, isso não é nada para o senhor? Então se eu ler a Constituição de cabo a rabo posso decidir melhor sobre a constitucionalidade das coisas... talvez melhor que uns e outros.
Disse Antonio Fernando, procurador-geral da República, de opiniões que admiro muito: A profissão não depende de um conhecimento técnico específico. A profissão de jornalista é desprovida de técnicas.
Desta vez tenho que discordar do senhor. Não é a técnica de saber todos os assuntos, e nem pretendemos tomar o lugar de um engenheiro para falar de construções, de um físico para falar de um fenômeno, de um médico para falar de pesquisas avançadas em torno do vírus H1N1, ou de um consultor de moda para falar das tendências do próximo verão. O senhor considera que ficaria claro para um leitor um texto com informações técnicas a respeito de um assunto específico de cada ciência? Sem elevar a profissão de jornalista ao mais alto nível das funções, é ele o responsável por fazer essa tradução e levar ao leitor informações claras, objetivas, e que mudam, sim, algo em sua vida. Se há muitos anos sentiram a necessidade de se criar escolas de comunicação, alguma serventia há de ter.
E à senhora advogada, peço que passe um semestre, ou menos, em uma turma de Jornalismo. O que acha que discutimos em sala? Assuntos gerais?
É triste ver que as decisões no país, sobretudo desta Suprema Corte nos últimos tempos, têm sido tomadas de qualquer jeito. Assuntos sérios são tratados como qualquer coisa. Não se dá a devida importância ao que realmente deveria ter. E mais: um interesse altamente corporativista, de quem não valoriza o profissional, a profissão e muito menos a função social do Jornalismo. E não valoriza nem em termos econômicos, de fato. Nunca se valorizou, na verdade. Mas, de agora em diante, é uma profissão ideológica, sem direitos, sem um piso salarial. Mesmo com o piso ridículo que há hoje, melhor isso do que nada.
Os jornalistas são aqueles que aceitam trabalhar muito, estar ligados 24 horas por dia, acordar pensando no desenrolar de uma notícia... e ganhar para isso menos do que quando faziam estágios. Sabe o que é isso? Podem chamar de maluquice, eu chamo de paixão. Os idealistas sempre dizem que quem é bom tem espaço. Eu vivo, todos os dias, essa contradição. Os que aceitam trabalhar muito, deixar de viver, de comer como deviam, de conviver com quem deviam... para ganhar pouco, esses sim, sempre têm espaço.
Nem me lembro a última vez em que escrevi algo tremendo de raiva. Nem me lembro a última vez que sentei para escrever quando, na verdade, o que eu queria era gritar. Mas comunicação é assim. Todo mundo acha que pode fazer. Alguém aí precisa de uma balconista?
*As aspas são trechos de notícias retirados da
Folha Online, hoje, 17 de junho de 2009
Cíntya Feitosa